sexta-feira, 16 de agosto de 2013

ENCONTRANDO COM PEDRO

Marcelo Luís de Souza Ferreira

     Hoje me peguei pensando em Pedro, apóstolo de Cristo, e passei um tempo olhando de perto essa pessoa tão intrigante.
     Já havia lido e ouvido as histórias e pregações que abordam o seu difícil temperamento e a mudança que Deus operou em sua vida, mas ainda não tinha tentado olhar para dentro de Pedro e analisar as coisas sob o seu ponto de vista. Na verdade, a sua inconstância, sua impetuosidade e sua incapacidade de enxergar além sempre foram obstáculos para que eu o entendesse, ou seja, o meu julgamento sobre suas atitudes não me deixavam vê-lo como talvez eu deveria ver.
     O curioso de tudo isso é que ao me debruçar sobre a vida de Pedro e visualizar a obra de Deus nela, ao tentar ultrapassar essa minha dificuldade de compreender a ação de Deus através dos defeitos e da fragilidade humana eu pude enxergar um pouco (ou muito) de mim e perceber o quanto Deus pode e ainda irá trabalhar sobre minha vida. Eu pude me enxergar em Pedro e enxergá-lo em mim, percebendo que a minha resistência em entendê-lo sempre foi, na realidade, reflexo da dificuldade que tenho de entender a mim mesmo, de reconhecer meus próprios defeitos e assumi-los.
     Para acompanhar essa reflexão é necessário mergulhar um pouco na história de Pedro.
     A Bíblia nos mostra que Simão Pedro era um pescador e, como tal, uma pessoa simples e prática, acostumada a lidar com as dificuldades normais de uma vida humilde e a resolvê-las segundo a sua racionalidade e seu pragmatismo, com os recursos físicos e materiais de que dispunha. Era um homem de trabalho, que arregaçava as mangas e acreditava que com sua própria força conseguiria daria conta de solucionar seus problemas e que, se assim não fosse, era porque os problemas seriam insolúveis.
     O episódio da transfiguração bem revela o caráter pragmático de Pedro e sua dificuldade de compreender e aceitar as coisas espirituais.
     Tendo Jesus se transfigurado em sua presença e aparecido em companhia de Moisés e Elias, revelando toda sua glória a Pedro, João e Tiago, a reação imediata e impensada de Pedro foi propor a construção de três tendas para abrigar Jesus, Moisés e Elias no monte em que estavam, tamanha a sua dificuldade em entender a magnitude do evento e diante de sua vontade de racionalizar as coisas, trazendo-as para dentro do seu limite de compreensão humana.
     Essa mesma dificuldade é vista através da reação de Pedro diante da revelação de Jesus quanto à própria morte, quando Pedro tenta “dissuadi-lo” dessa ideia como se quisesse dizer que Cristo estava protegido entre seus discípulos, e se repete quando finalmente essa profecia começa a se realizar no Getsêmani (Jo 18. 10), quando Pedro tenta defender o Mestre, sacando sua espada e cortando a orelha de um dos guardas que foram prender Jesus, sendo em ambas oportunidades repreendido pelo próprio Deus Filho e advertido quanto à sua incapacidade de enxergar o plano divino.
     A Bíblia também nos mostra em diversas passagens a inconstância da fé de Pedro, que num momento confessava Cristo como filho de Deus e no momento seguinte desacredita do poder desse mesmo Deus.
     No evangelho de Lucas, por exemplo, vê-se que embora Cristo tivesse curado pela palavra a sogra de Pedro (Lc 4. 38-39) e ele o reconhecesse como Mestre, Pedro, após não haver conseguido pescar durante a noite inteira, revela descrença quando é instado por Cristo a lançar sua rede novamente. Essa descrença fica evidente na reação de Pedro quando seu barco quase virou com a quantidade de peixe existente na rede, demonstrando que sua ação anterior foi praticada sem alguma: Vendo isto, Simão Pedro prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo: Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador. (Lc 5. 8).
     Outro momento de dúvida está no episódio em que Jesus anda sobre as águas (Mt 14. 22-33), sendo inicialmente questionado por Pedro -Se és tu, Senhor, manda-me ir ter contigo, por sobre as águas- e posteriormente, ao começar ele mesmo a andar sobre as águas, submergir e clamar pelo auxílio do Senhor ante a sua falta de fé.
     Contudo, a passagem da história de Pedro que sempre me gerou grande desconforto é aquela em que ele nega a Cristo por três vezes, como o próprio Mestre lhe predissera. Afinal, como um homem, depois de ter andado por três anos com o próprio Deus encarnado, testificando sua glória e todo o seu poder, poderia negá-lo? Que fé é essa que não o permite ser firme diante do que vira com seus próprios olhos?
     A ausência de respostas satisfatórias a essas perguntas me desestimulava e me afastava de Pedro. Nisso, eu me afastava de mim e não conseguia olhar a minha vida com Cristo.
     Hoje, porém, Deus me permitiu ver Pedro com outros olhos e entender qual o Seu objetivo ao usar a vida de uma pessoa com um temperamento tão difícil para um propósito tão elevado.
     De início, Deus me mostra que em mim há muito do velho Pedro. Toda essa tendência a racionalizar os acontecimentos, a resolver os problemas com as minhas próprias forças, a não acreditar que o sobrenatural possa ocorrer nas mínimas coisas do nosso dia a dia, além da inconstância na fé apesar de todos os sinais e feitos de Deus, são características tão próprias minhas que ficava difícil analisar a vida de Pedro sem que eu me sentisse incomodado. E por sentir tanto o temperamento de Pedro em mim mesmo é que aquela pergunta – e a falta de resposta - me angustiava.
     No entanto, é na própria história de Pedro que eu posso encontrar a resposta àquela pergunta. Por ela Deus nos dá alguns ensinamentos muito valiosos – os quais espero realmente absorver e levar para minha própria vida e caminhada com o Pai.
     Primeiro, o próprio Cristo nos revela que reconhecê-lo como Deus, confessar o seu nome e andar com Ele não é o bastante. Ele quer e propõe muito mais a todos nós.
     Pedro o havia reconhecido como Senhor e Salvador (Lc 5. 8-10), confessado isso publicamente (Mc 8. 27-30) e visto a glória do Senhor na transfiguração e em inúmeros milagres ao longo de três anos andando ao Seu lado, porém o próprio Jesus, no final desses três anos, advertiu que Pedro ainda não estava pronto: Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo! Eu, porém, roguei por ti, para que a tua não desfaleça; tu, pois, quando te converteres, fortalece os teus irmãos (Lc 22. 31-32). E prosseguiu, revelando que Pedro ainda o negaria por três vezes naquela mesma noite, mesmo diante de todo o ímpeto e coragem por ele revelados naquele instante.
     Nas palavras do Senhor, andar com o próprio Cristo não é o bastante. E Ele destaca que mesmo depois desses três anos Pedro ainda teria de ser convertido para, depois, fortalecer seus irmãos.
     O segundo ensinamento diz respeito à graça e à misericórdia divina.
     De fato, Pedro negou a Cristo em três ocasiões na mesma noite como já se havia revelado, e ao se dar conta disso voltou à sua vida de pescador, desistindo de si mesmo.
     Acontece que embora Pedro tenha desistido de si mesmo,Jesus não desistiu dele, assim como não desiste de mim, apesar de todos os meus defeitos e de todas as vezes em que eu O nego, elegendo outras prioridades.
     Após a ressurreição, Jesus foi ao seu encontro na praia, e ali o achando na companhia de outros discípulos o redimiu perguntando-lhe por três vezes se Pedro o amava e, também por três vezes, pedindo-lhe que pastoreasse a apascentasse Suas ovelhas.
     Era a graça de Deus se apresentando novamente, concedendo a um homem aquilo que ele jamais seria capaz de alcançar pelos próprios esforços, ou melhor, concedendo aquilo que o próprio homem não merecia receber por seus atos e pensamentos.
     O terceiro ensinamento se refere à conversão efetivamente, revelando que ela não é obra da vontade humana, mas ação exclusiva do Espírito Santo. Ou seja, não bastava o arrependimento de Pedro. Isso ainda não o qualificava.
     No início dos “Atos dos Apóstolos”, consta que Jesus, antes de sua ascensão, pediu aos seus discípulos que não se ausentassem de Jerusalém até que fossem batizados com o Espírito Santo e no dia de Pentecostes, após a ascensão, cumpriu-se a promessa, com o Espírito Santo “enchendo” cada discípulo (At 2). A partir de então, voltando à pessoa de Pedro, nota-se uma radical mudança de comportamento e postura.
     O Pedro, antes inconstante e até covarde, se levanta no meio de uma multidão e, destemido, passa a discursar com autoridade vinda de Deus, convertendo outros e dando ensejo ao batismo imediato de três mil pessoas (At 2. 14-41). O mesmo livro narra a posterior cura de um coxo, novo discurso de Pedro no templo, a prisão de Pedro, sua postura firme diante das autoridades e a vida missionária do mesmo Pedro antes tão carnal.
     Essa conversão, portanto, significou deixar de andar ao lado de Cristo e passar a tê-lo dentro de si, na pessoa do Espírito Santo, o que fez toda a diferença para Pedro. A ação do Espírito Santo através de Pedro a partir dessa conversão contribuiu para a propagação do cristianismo, rompendo todas as dificuldades e perseguições encontradas à época, e sua apresentação aos povos não judeus, como era o plano de Deus.
     Assim, o Pedro antes imaturo, impaciente e medroso, passou a executar uma obra que ia muito além de suas forças, que ultrapassava todo o seu entendimento, e a aceitar com resignação e contentamento, em contrapartida, um difícil caminho, a ele revelado por Jesus quando o incumbiu de apascentar Suas ovelhas: Em verdade, em verdade te digo que, quando eras mais moço, tu te cingias a ti mesmo e andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, estenderás as mãos, e outro te cingirá e te levará para onde não queres.(Jo 21. 18).
     O resultado de toda essa transformação é revelado pelo próprio Pedro em suas epístolas, donde se extrai o seguinte conselho: Ora, o Deus de toda a graça, que em Cristo vos chamou à sua eterna glória, depois de terdes sofrido por um pouco, ele mesmo vos de aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar (1 Pe 5. 10).
     Assim ocorreu com Pedro. Uma vez chamado por Cristo, tendo-o acompanhado e sofrido, foi pelo Espírito Santo aperfeiçoado, firmado, fortificado para, então, servir a Deus em seus propósitos. O antigo Pedro não daria conta do desafio. O novo nem se importou com isso, colocando-se à disposição de Deus para o que teria de acontecer.
     Pelo exemplo de Pedro podemos concluir que quando Cristo nos chama para caminhar não basta reconhecer o chamado, identificar Sua voz e seguir ao Seu lado por anos e anos. É preciso que o Espírito Santo entre dentro do nosso ser e ali passe a residir. É preciso que o Espírito Santo abale as nossas estruturas, nos retire da zona de conforto e crie em cada um de nós uma nova pessoa, com a fé dada por Ele e com a disposição de fazer o que Ele nos destina a fazer e a ser o que Ele nos destina a ser.
     Pedro nasceu de novo, como Cristo disse que seria necessário a qualquer um que desejasse entrar no Seu reino. E é essa a proposta de Deus para as nossas vidas: a de uma radical transformação pessoal através da Sua ação.
     Encontrar com Pedro hoje me fez ver o velho Pedro que há em mim, com todos os temores, a impulsividade, a impaciência, o limitado entendimento e a pouca fé que nos torna tão parecidos. Mas também me fez ver no que Deus pode me transformar e como a minha história pode ser reescrita a partir disso.

     Que o Pai tenha a mesma misericórdia de mim. Que Jesus Cristo possa me acolher e relevar os meus deslizes com o mesmo amor. E que o Espírito Santo se instale em meu ser e me transforme num novo Pedro.

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