Já há algum tempo que os louvores, pregações e
orações que enaltecem nossa busca por milagres como se fossem um
direito têm me incomodado. Tenho ouvido falar muito nisso, escutado
muitas canções incentivando as pessoas a acreditarem que os
milagres ocorrerão em suas vidas e presenciado pastores e líderes
levantando essa bandeira, mas dentro de mim a cada abordagem desse
tipo algo me causa repulsa.
Não estou dizendo que não acredito em milagres,
tampouco que não creio no Deus misericordioso que nos agracia já
nessa vida com tesouros inestimáveis. Não é isso!
O meu incômodo vem do fato de que a mensagem não tem
sido passada em sua integralidade ou tem sido recebida apenas em
parte e isso tem feito com que cada vez mais pessoas se reportem a
Deus como se Ele fosse o servo, o realizador de desejos ou o
“quebra-galhos” a quem nos recorremos sempre que não conseguimos
resolver os problemas que nós próprios criamos.
Com a mensagem da forma como tem sido passada nós
esquecemos que Deus nos propõe uma aliança e toda aliança exige
compromisso e sacrifício recíprocos. Por isso, hoje em dia ouvimos
tanto falar que “Deus é fiel” mas não percebemos as pessoas
preocupadas em corresponder a isso, ou seja, não encontramos tantas
pessoas assim que sejam fiéis a Ele.
Deus faz milagres sim. A Bíblia está repleta de
relatos do passado e mesmo hoje, procurando atentamente, nos
deparamos com inúmeros milagres, desde a recuperação de uma vida
já perdida como a ressuscitação de pessoas dadas como mortas pela
medicina.
Deus quer agir nas nossas vidas sim. Ele continua
querendo entrar na nossa casa para nos transformar e nos levar a ser
aquilo para o que fomos destinados.
Ele quer nos presentear como filhos, concedendo-nos já
em vida parte da herança reservada a nós.
Mas Deus também quer que nós assumamos nosso
compromisso com Ele. Um compromisso de confiança e entrega completa
à Sua ação. Um compromisso de real submissão à Sua soberana
vontade. O reconhecimento daquilo que somos (o pó da terra) e de
Quem Ele é (o Todo-Poderoso).
Tenho sentido que buscamos a Deus quando as coisas não
vão bem, mas não abrimos a porta para que Jesus entre. E Ele
continua batendo à porta, esperando que alguém queira recebê-lo
como único senhor de sua vida.
Infelizmente, não queremos que Ele entre. Queremos
apenas que Ele dê um jeito naquela situação incômoda em que nos
metemos, mas não desejamos servi-lo.
O interessante é que sequer somos capazes de perceber
que na maioria das vezes só necessitamos de milagres porque tomamos
decisões erradas por nossa própria conta e risco, mas na hora em
que tudo dá errado corremos para suplicar que o Pai dê o seu jeito
de resolver.
Não perguntamos com quem Ele quer que nos unamos.
Tomamos por nossas próprias paixões as nossas decisões e só nos
lembramos de Jesus quando o casamento, a parceria ou a sociedade vai
de mal a pior, como se Ele fosse o culpado pelas nossas desventuras.
Não questionamos como devemos educar nossos filhos, mas
jogamos sobre Ele a responsabilidade de tirá-los das drogas, das más
companhias, do caminho da desobediência e do desrespeito.
Gastamos nosso dinheiro sem perguntar a Ele se os
recursos que Ele nos deu devem ser usados de uma ou de outra forma,
mas depois corremos ao Seu encontro para que Ele nos livre das
dívidas.
Ah! Se olhássemos melhor para o que pedimos...
O pior a meu ver, no entanto, nem são as más escolhas
que tornam necessário o milagre. O pior é não enxergar que para
termos o milagre há algo em nossa conduta que precisa mudar, há
algo que nós precisamos fazer.
Jesus disse
que “tudo
é possível
ao que
crê”
pouco antes
de realizar
a cura
de um
jovem endemoninhado
a pedido
de seu
pai (Mc
9. 23),
demonstrando ali
que a
ação de
Deus nas
nossas vidas
dependerá da
nossa fé.
O problema é que não entendemos a fé e os discursos
atualmente não nos ajudam a compreender aquilo que Jesus disse.
Porém, basta
ler um
pouco a
própria Bíblia
para encontrar
o real
significado de
tão grande
promessa. Deus
nos ensina,
através de
Tiago, que
“assim
também a
fé, se
não tiver
as obras,
é morta
em si
mesma”
(Tg 2.
17) e
o próprio
Jesus afirmou
que “se
tivésseis fé
como um
grão de
mostarda,
diríeis a
esta amoreira:
Desarraiga-te
daqui, e
planta-te no
mar; e
ela vos
obedeceria”
(Lc 17.
6), esclarecendo
em outra
passagem “é
semelhante ao
grão de
mostarda que
um homem,
tomando-o,
lançou na
sua horta;
e cresceu,
e fez-se
grande árvore,
e em
seus ramos
se aninharam
as aves
do céu”
(Lc 13.
19).
O que Jesus nos ensina é que o milagre depende de uma
ação de fé. Não é apenas pensar positivamente ou afirmar que
acredita que o milagre se realizará. É necessário agir em
conformidade com aquilo em que se crê, o que implica em necessária
mudança de postura e comportamento diante da adversidade.
E nisso a Bíblia também está repleta de exemplos. Os
milagres nela relatados nos ensinam justamente isso.
O primeiro milagre público de Jesus, que ocorreu em um
casamento, só foi possível porque Jesus havia sido convidado para
as bodas. E havia sido convidado porque os noivos queriam o prazer da
sua presença, não pelo interesse de receber o milagre (afinal,
sequer sabiam ainda que Jesus era capaz de fazer o que fez).
A cura do jovem endemoninhado relatada em Marcos 2 só
ocorreu porque o pai do jovem se dirigiu diretamente a Jesus e se
dispôs a se humilhar a seus pés, reconhecendo sua pouca fé e
pedindo ao Mestre que a fortalecesse.
A cura do leproso e do servo do centurião (Mt 8) se
deram após real e verdadeira humilhação e adoração. Foram
pessoas que reconheceram sua inferioridade perante Deus e se
entregaram a Jesus de coração verdadeiro.
A mulher
do fluxo
de sangue
(Mt 9)
teve de
se expor,
demonstrar sua
fragilidade e
sua vergonha
perante a
multidão. Os
cegos precisaram
clamar em
alta voz
para chamar
a atenção
de Jesus.
O homem
da mão
mirrada (Mc
3) também
precisou se
expor e
ir para
o meio
da sinagoga
demonstrando a
todos o
seu defeito
antes que
o milagre
pudesse se
realizar. Jairo
precisou ter
paciência e
seguir o
Mestre por
um bom
tempo, deixando
para trás
o orgulho
de ser
“um
dos principais
da sinagoga”,
enquanto via
Jesus cuidando
de outras
pessoas no
lugar de
sua filha
moribunda e
permanecendo nessa
mesma posição
de humildade
mesmo quando
lhe informaram
que sua
filha já
estava morta,
para depois
poder vê-la
ressuscitando. Jesus
pediu que
tirassem a
pedra do
sepulcro antes
de realizar
o seu
milagre de
ressuscitar Lázaro
(Jo 11.
38-45).
Todos essas passagens nos ensinam que há coisas que
precisamos fazer por nós mesmos a fim de que Jesus possa depois
operar o milagre em nossas vidas. Há coisas que, como filhos,
precisamos estar dispostos a fazer antes e para que o milagre ocorra.
Mas infelizmente não é isso o que queremos!
Temos milhares de desculpas para não dividirmos nosso
tempo com Deus.
Não queremos gastar tempo nem para conversar com Ele,
orando e refletindo sobre Sua Palavra.
Não queremos nos humilhar aos Seus pés e, reconhecendo
a Sua soberania e perfeição, aceitar os Seus conselhos e seguir as
Suas ordens.
Reclamamos da vida e imploramos por misericórdia, mas
não estamos dispostos a deixar que Jesus entre e mude em nós o que
está errado.
Não nos permitimos humilhar aos seus pés, expondo as
nossas fraquezas e as nossas imperfeições, para que Ele então
possa tomar as rédeas da situação.
Não estamos dispostos sequer a fazer aquilo que está
ao nosso alcance para que Ele possa fazer o que não está. Queremos
apenas que Ele venha e efetue a limpeza da sujeira que fizemos, de
preferência sem abrir a boca para fazer qualquer comentário.
Não queremos ser filhos, muito menos servos, pois não
temos disposição de obedecer.
Portanto, deveríamos deixar de importunar Deus como os
“nossos problemas”. Nós os criamos e alimentamos. São nossos!
Enquanto não reconhecemos o que somos e não estivermos
dispostos a fazer a nossa parte, de fazer aquilo que está ao nosso
alcance, devemos parar de pedir por milagres. Nós não os merecemos!
Marcelo Luís de Souza Ferreira