Marcelo
Luís de Souza Ferreira
Hoje
me peguei pensando em Pedro, apóstolo de Cristo, e passei um tempo
olhando de perto essa pessoa tão intrigante.
Já
havia lido e ouvido as histórias e pregações que abordam o seu
difícil temperamento e a mudança que Deus operou em sua vida, mas
ainda não tinha tentado olhar para dentro de Pedro e analisar as
coisas sob o seu ponto de vista. Na verdade, a sua inconstância, sua
impetuosidade e sua incapacidade de enxergar além sempre foram
obstáculos para que eu o entendesse, ou seja, o meu julgamento sobre
suas atitudes não me deixavam vê-lo como talvez eu deveria ver.
O
curioso de tudo isso é que ao me debruçar sobre a vida de Pedro e
visualizar a obra de Deus nela, ao tentar ultrapassar essa minha
dificuldade de compreender a ação de Deus através dos defeitos e
da fragilidade humana eu pude enxergar um pouco (ou muito) de mim e
perceber o quanto Deus pode e ainda irá trabalhar sobre minha vida.
Eu pude me enxergar em Pedro e enxergá-lo em mim, percebendo que a
minha resistência em entendê-lo sempre foi, na realidade, reflexo
da dificuldade que tenho de entender a mim mesmo, de reconhecer meus
próprios defeitos e assumi-los.
Para
acompanhar essa reflexão é necessário mergulhar um pouco na
história de Pedro.
A
Bíblia nos mostra que Simão Pedro era um pescador e, como tal, uma
pessoa simples e prática, acostumada a lidar com as dificuldades
normais de uma vida humilde e a resolvê-las segundo a sua
racionalidade e seu pragmatismo, com os recursos físicos e materiais
de que dispunha. Era um homem de trabalho, que arregaçava as mangas
e acreditava que com sua própria força conseguiria daria conta de
solucionar seus problemas e que, se assim não fosse, era porque os
problemas seriam insolúveis.
O
episódio da transfiguração bem revela o caráter pragmático de
Pedro e sua dificuldade de compreender e aceitar as coisas
espirituais.
Tendo
Jesus se transfigurado em sua presença e aparecido em companhia de
Moisés e Elias, revelando toda sua glória a Pedro, João e Tiago, a
reação imediata e impensada de Pedro foi propor a construção de
três tendas para abrigar Jesus, Moisés e Elias no monte em que
estavam, tamanha a sua dificuldade em entender a magnitude do evento
e diante de sua vontade de racionalizar as coisas, trazendo-as para
dentro do seu limite de compreensão humana.
Essa
mesma dificuldade é vista através da reação de Pedro diante da
revelação de Jesus quanto à própria morte, quando Pedro tenta
“dissuadi-lo” dessa ideia como se quisesse dizer que Cristo
estava protegido entre seus discípulos, e se repete quando
finalmente essa profecia começa a se realizar no Getsêmani (Jo 18.
10), quando Pedro tenta defender o Mestre, sacando sua espada e
cortando a orelha de um dos guardas que foram prender Jesus, sendo em
ambas oportunidades repreendido pelo próprio Deus Filho e advertido
quanto à sua incapacidade de enxergar o plano divino.
A
Bíblia também nos mostra em diversas passagens a inconstância da
fé de Pedro, que num momento confessava Cristo como filho de Deus e
no momento seguinte desacredita do poder desse mesmo Deus.
No
evangelho de
Lucas, por
exemplo, vê-se
que embora
Cristo já
tivesse curado
pela palavra
a sogra
de Pedro
(Lc 4.
38-39) e
ele já
o reconhecesse
como Mestre,
Pedro, após
não haver
conseguido pescar
durante a
noite inteira,
revela descrença
quando é
instado por
Cristo a
lançar sua
rede novamente.
Essa descrença
fica evidente
na reação
de Pedro
quando seu
barco quase
virou com
a quantidade
de peixe
existente na
rede, demonstrando
que sua
ação anterior
foi praticada
sem fé
alguma: “Vendo
isto, Simão
Pedro
prostrou-se aos
pés de
Jesus, dizendo:
Senhor,
retira-te de
mim, porque
sou pecador.”
(Lc 5.
8).
Outro
momento de
dúvida está
no episódio
em que
Jesus anda
sobre as
águas (Mt
14. 22-33),
sendo inicialmente
questionado por
Pedro -
“Se és
tu, Senhor,
manda-me ir
ter contigo,
por sobre
as águas”
- e
posteriormente, ao
começar ele
mesmo a
andar sobre
as águas,
submergir e
clamar pelo
auxílio do
Senhor ante
a sua
falta de
fé.
Contudo,
a passagem da história de Pedro que sempre me gerou grande
desconforto é aquela em que ele nega a Cristo por três vezes, como
o próprio Mestre lhe predissera. Afinal, como um homem, depois de
ter andado por três anos com o próprio Deus encarnado, testificando
sua glória e todo o seu poder, poderia negá-lo? Que fé é essa que
não o permite ser firme diante do que vira com seus próprios olhos?
A
ausência de respostas satisfatórias a essas perguntas me
desestimulava e me afastava de Pedro. Nisso, eu me afastava de mim e
não conseguia olhar a minha vida com Cristo.
Hoje,
porém, Deus me permitiu ver Pedro com outros olhos e entender qual o
Seu objetivo ao usar a vida de uma pessoa com um temperamento tão
difícil para um propósito tão elevado.
De
início, Deus me mostra que em mim há muito do velho Pedro. Toda
essa tendência a racionalizar os acontecimentos, a resolver os
problemas com as minhas próprias forças, a não acreditar que o
sobrenatural possa ocorrer nas mínimas coisas do nosso dia a dia,
além da inconstância na fé apesar de todos os sinais e feitos de
Deus, são características tão próprias minhas que ficava difícil
analisar a vida de Pedro sem que eu me sentisse incomodado. E por
sentir tanto o temperamento de Pedro em mim mesmo é que aquela
pergunta – e a falta de resposta - me angustiava.
No
entanto, é na própria história de Pedro que eu posso encontrar a
resposta àquela pergunta. Por ela Deus nos dá alguns ensinamentos
muito valiosos – os quais espero realmente absorver e levar para
minha própria vida e caminhada com o Pai.
Primeiro,
o próprio Cristo nos revela que reconhecê-lo como Deus, confessar o
seu nome e andar com Ele não é o bastante. Ele quer e propõe muito
mais a todos nós.
Pedro
já o
havia reconhecido
como Senhor
e Salvador
(Lc 5.
8-10), confessado
isso publicamente
(Mc 8.
27-30) e
visto a
glória do
Senhor na
transfiguração e
em inúmeros
milagres ao
longo de
três anos
andando ao
Seu lado,
porém o
próprio Jesus,
no final
desses três
anos, advertiu
que Pedro
ainda não
estava pronto:
“Simão,
Simão, eis
que Satanás
vos reclamou
para vos
peneirar como
trigo! Eu,
porém, roguei
por ti,
para que
a tua
fé não
desfaleça; tu,
pois, quando
te
converteres,
fortalece os
teus irmãos”
(Lc 22.
31-32). E
prosseguiu, revelando
que Pedro
ainda o
negaria por
três vezes
naquela mesma
noite, mesmo
diante de
todo o
ímpeto e
coragem por
ele revelados
naquele instante.
Nas
palavras do Senhor, andar com o próprio Cristo não é o bastante. E
Ele destaca que mesmo depois desses três anos Pedro ainda teria de
ser convertido para, depois, fortalecer seus irmãos.
O
segundo ensinamento diz respeito à graça e à misericórdia divina.
De
fato, Pedro negou a Cristo em três ocasiões na mesma noite como já
se havia revelado, e ao se dar conta disso voltou à sua vida de
pescador, desistindo de si mesmo.
Acontece
que embora Pedro tenha desistido de si mesmo,Jesus não desistiu
dele, assim como não desiste de mim, apesar de todos os meus
defeitos e de todas as vezes em que eu O nego, elegendo outras
prioridades.
Após
a ressurreição, Jesus foi ao seu encontro na praia, e ali o achando
na companhia de outros discípulos o redimiu perguntando-lhe por três
vezes se Pedro o amava e, também por três vezes, pedindo-lhe que
pastoreasse a apascentasse Suas ovelhas.
Era
a graça de Deus se apresentando novamente, concedendo a um homem
aquilo que ele jamais seria capaz de alcançar pelos próprios
esforços, ou melhor, concedendo aquilo que o próprio homem não
merecia receber por seus atos e pensamentos.
O
terceiro ensinamento se refere à conversão efetivamente, revelando
que ela não é obra da vontade humana, mas ação exclusiva do
Espírito Santo. Ou seja, não bastava o arrependimento de Pedro.
Isso ainda não o qualificava.
No
início dos “Atos dos Apóstolos”, consta que Jesus, antes de sua
ascensão, pediu aos seus discípulos que não se ausentassem de
Jerusalém até que fossem batizados com o Espírito Santo e no dia
de Pentecostes, após a ascensão, cumpriu-se a promessa, com o
Espírito Santo “enchendo” cada discípulo (At 2). A partir de
então, voltando à pessoa de Pedro, nota-se uma radical mudança de
comportamento e postura.
O
Pedro, antes inconstante e até covarde, se levanta no meio de uma
multidão e, destemido, passa a discursar com autoridade vinda de
Deus, convertendo outros e dando ensejo ao batismo imediato de três
mil pessoas (At 2. 14-41). O mesmo livro narra a posterior cura de um
coxo, novo discurso de Pedro no templo, a prisão de Pedro, sua
postura firme diante das autoridades e a vida missionária do mesmo
Pedro antes tão carnal.
Essa
conversão, portanto, significou deixar de andar ao lado de Cristo e
passar a tê-lo dentro de si, na pessoa do Espírito Santo, o que fez
toda a diferença para Pedro. A ação do Espírito Santo através de
Pedro a partir dessa conversão contribuiu para a propagação do
cristianismo, rompendo todas as dificuldades e perseguições
encontradas à época, e sua apresentação aos povos não judeus,
como era o plano de Deus.
Assim,
o Pedro
antes imaturo,
impaciente e
medroso, passou
a executar
uma obra
que ia
muito além
de suas
forças, que
ultrapassava todo
o seu
entendimento, e
a aceitar
com resignação
e contentamento,
em contrapartida,
um difícil
caminho, a
ele revelado
por Jesus
quando o
incumbiu de
apascentar Suas
ovelhas: “Em
verdade, em
verdade te
digo que,
quando eras
mais moço,
tu te
cingias a
ti mesmo
e andavas
por onde
querias;
quando, porém,
fores velho,
estenderás as
mãos, e
outro te
cingirá e
te levará
para onde
não queres.”
(Jo
21.
18).
O
resultado de
toda essa
transformação é
revelado pelo
próprio Pedro
em suas
epístolas, donde
se extrai
o seguinte
conselho: “Ora,
o Deus
de toda
a graça,
que em
Cristo vos
chamou à
sua eterna
glória, depois
de terdes
sofrido por
um pouco,
ele mesmo
vos há
de aperfeiçoar,
firmar,
fortificar e
fundamentar”
(1 Pe
5. 10).
Assim
ocorreu com Pedro. Uma vez chamado por Cristo, tendo-o acompanhado e
sofrido, foi pelo Espírito Santo aperfeiçoado, firmado, fortificado
para, então, servir a Deus em seus propósitos. O antigo Pedro não
daria conta do desafio. O novo nem se importou com isso, colocando-se
à disposição de Deus para o que teria de acontecer.
Pelo
exemplo de Pedro podemos concluir que quando Cristo nos chama para
caminhar não basta reconhecer o chamado, identificar Sua voz e
seguir ao Seu lado por anos e anos. É preciso que o Espírito Santo
entre dentro do nosso ser e ali passe a residir. É preciso que o
Espírito Santo abale as nossas estruturas, nos retire da zona de
conforto e crie em cada um de nós uma nova pessoa, com a fé dada
por Ele e com a disposição de fazer o que Ele nos destina a fazer e
a ser o que Ele nos destina a ser.
Pedro
nasceu de novo, como Cristo disse que seria necessário a qualquer um
que desejasse entrar no Seu reino. E é essa a proposta de Deus para
as nossas vidas: a de uma radical transformação pessoal através da
Sua ação.
Encontrar
com Pedro hoje me fez ver o velho Pedro que há em mim, com todos os
temores, a impulsividade, a impaciência, o limitado entendimento e a
pouca fé que nos torna tão parecidos. Mas também me fez ver no que
Deus pode me transformar e como a minha história pode ser reescrita
a partir disso.
Que
o Pai tenha a mesma misericórdia de mim. Que Jesus Cristo possa me
acolher e relevar os meus deslizes com o mesmo amor. E que o Espírito
Santo se instale em meu ser e me transforme num novo Pedro.