Marcelo
Luís de Souza Ferreira
O que pensamos de Deus? Quem é
esse ser e o que Ele pretende de nós? Que tipo de relação
desenvolvemos com Deus e que imagem fazemos Dele em nossas mentes?
A religião tem contribuído
para que a maioria de nós tenha a ideia de um Deus poderoso, porém
distante de nossos problemas e aflições. Um Deus que permanece
sentado em seu longínquo e inacessível trono, se divertindo com a
criação de normas rígidas e padrões de conduta inatingíveis aos
seres humanos. Um Deus irado e de certa forma sádico, que sente
prazer em castigar, em punir.
Talvez esse seja o grande mal da
religião em todo tempo, desde os primórdios: distorcer a figura de
Deus e impedir que as pessoas compreendam o plano que Ele tem para
cada um. Afinal, é dada muita ênfase às leis, à caracterização
do pecado e à eterna punição divina e quase nenhuma explicação
da razão de tantas normas e de sua rigidez, reforçando-se a falsa
ideia de um Deus ditador.
A Bíblia, no entanto, dá todas
as ferramentas que necessitamos para conhecer Deus e entender o seu
objetivo e a sua relação com a humanidade. Basta estar disposto a
enxergar, pela Sua palavra, o maravilhoso plano de Deus para o homem.
No Gênesis, percebemos que Deus
criou o mundo como um sistema de perfeita harmonia e por amor criou o
homem para habitá-lo e dominá-lo, dando-lhe plena liberdade. Havia
no jardim do Éden a árvore do conhecimento do bem e do mal, tendo
Deus advertido o homem a dela não se alimentar, pois no dia em que o
fizesse certamente morreria.
Notem que esse conhecimento não
foi ocultado do homem, nem seu fruto foi colocado em lugar
inatingível, havendo apenas uma ordem – que mais soava como uma
advertência – de que o homem não deveria dele se alimentar pois
suas consequências seriam drásticas. Deus não escondeu a árvore,
não dificultou o acesso do homem ao seu fruto nem omitiu as
consequências que o conhecimento do bem e do mal traria ao homem, ou
seja, Deus deu ao homem a liberdade da escolha – postura totalmente
diversa do comportamento ditatorial – entre caminhar com Ele,
aprendendo e evoluindo no conhecimento de Deus, e caminhar sozinho,
por suas próprias pernas e esforços, numa realidade para a qual o
homem ainda não estava pronto.
Não se sabe qual seria a
intenção futura de Deus. Talvez a certo ponto dessa caminhada Ele
entendesse que o homem já estaria preparado para se alimentar
daquele fruto. Talvez... O que sei é que mesmo com toda a nossa
limitação, nenhum pai terreno solta a mão de seu filho para que
ele atravesse uma movimentada avenida senão depois de muito tempo de
vida, de experiência e da certeza de que o filho já sabe atravessar
em segurança e não será atropelado.
O Gênesis nos narra que
entretanto o homem foi seduzido pela ideia de poder, pela
possibilidade de se tornar igual a Deus através do mero conhecimento
do bem e do mal. Seduzido pela ideia de não mais depender de Deus
segurando em sua mão ao longo da caminhada e lhe dizendo onde pisar
com segurança, o homem escolheu se aventurar, soltar a mão de Deus
e atravessar uma rodovia rumo a um outro lado que parece jamais
chegar.
E o homem pagou o preço pela
desobediência.
Perdido no mundo e entregue aos
seus próprios prazeres e desejos o homem entrou num processo
inconsciente de autodestruição que perdura até os dias atuais,
fato que não somente a Bíblia nos narra com riqueza de detalhes,
mas que a própria história das civilizações, retratada nos livros
que lemos nas escolas durante nossa formação acadêmica, confirma.
Apesar disso, Deus não
abandonou o homem. Como forma de propiciar a reconciliação, o
restabelecimento da união original, Deus se fez ver no meio do caos
criado pela humanidade, tocando no coração de alguns homens e,
através deles, mostrando que a caminhada da vida somente seria
possível com Aquele que criou a vida.
Àqueles que o aceitaram, Deus
acolheu, com todas as imperfeições que possuíam, e os chamou de
Seu povo.
No livro do Êxodo, podemos
perceber que esse mesmo povo, depois de um tempo vivendo como
príncipes no Egito, foi novamente se esquecendo de sua própria
natureza e se afastando do Pai. Como consequência, tornou-se
escravo.
A escravidão desse povo,
somente propiciada pelo abandono da união inicial com Deus,
tornou-se tão forte que mesmo já estando fisicamente liberto foram
necessários 40 anos de peregrinação pelo deserto para que tivesse
condições de entrar e ocupar a terra prometida por Deus.
Esse povo já estava tão
perdido, ante a absorção de costumes e valores mundanos, e com uma
crise de identidade tão forte que já não sabia o que era bom e o
que era mal para ele mesmo – qualquer semelhança com a realidade
atual não é mera coincidência. Para que o processo de
autodestruição cessasse foi necessário que Deus explicitasse todas
as condutas que de alguma forma prejudicariam o homem individual e
coletivamente considerado. Foi necessária a lei, trazida naquele
momento por Moisés ao povo hebreu.
Foi necessário que Deus
dissesse ao seu povo que matar, furtar, mentir e cobiçar o que é do
próximo são condutas reprováveis. Foi necessário dizer
expressamente que pais e mães devem ser respeitados, que todo
trabalhador necessita de ao menos um dia da semana para descanso e
que o casamento é algo especial, sagrado e que deve ser respeitado.
Foi preciso lembrar quem é Deus
e exigir respeito para com o nome do Criador.
O tratamento precisava ser
intensivo. A corrupção do homem, mesmo do povo de Deus, era tamanha
que o poder de coerção dessas regras deveria ser o maior possível,
as punições pelo descumprimento precisavam ser duras, rígidas e
ter o devido efeito pedagógico.
Mas as normas, se bem
analisadas, revelam o zelo de Deus para com seu povo. Não são
normas destinadas a Lhe conferir prazer, mas a possibilitar a vida do
homem em paz consigo mesmo e com a sociedade. Novamente, se traduzem
mais como conselhos dados por Quem sabe qual será o fim inevitável
de todas as coisas do que especificamente ordens. São placas,
indicando o caminho da vida, o caminho do retorno à harmonia e à
paz inicial.
Os tempos modernos, vistos sob
olhar crítico, demonstram o quanto Deus sempre nos quis bem e como
nós sempre incorremos no pecado original de querer usurpar o Seu
posto. A cada dia que passa vamos ignorando que as leis nos foram
dadas por amor, diante da nossa incapacidade de intuir nosso próprio
bem, e, taxando-as de conservadoras e ultrapassadas, riscamos essas
orientações dos nossos manuais de instrução.
Matamo-nos cada vez mais e por
motivos cada vez mais fúteis, gerando dor e sofrimento.
Mentimos e prejudicamos nossos
próximos apenas para satisfazer nossos instintos e nossos desejos.
Cobiçamos e pegamos para nós o
que não nos pertence, matando se for preciso.
Exploramos nossos trabalhadores
até a morte e em pleno Século 21 nos deparamos com trabalho escravo
nas maiores metrópoles.
Esquecemos o valor do casamento
e da família. Aliás, fazemos questão de reforçar que nenhuma
dessas instituições possui valor. Assim, casamos e descasamos como
quem troca de roupa, ou seja, como se o outro fosse um item
descartável. Traímos nossos cônjuges e destruímos nossas famílias
em nome de um prazer muitas vezes momentâneo, sem a menor
preocupação com os traumas, muitas vezes insuperáveis, que nossos
atos produzirão nos nossos cônjuges e em nossos filhos.
Os pais e mães não são mais
objeto de respeito, de modo que os filhos estão crescendo sem
qualquer referência de autoridade. Na verdade, nossa bandeira tem
sido contra qualquer tipo de autoridade, pela plena liberdade
individual, e com isso estamos gerando adultos que não sabem viver
em sociedade, pessoas que não têm o menor respeito pelo próximo.
E nas manchetes de jornais
tornam-se cada vez mais comuns as notícias de pais abandonando
filhos e filhos matando os próprios pais, numa verdadeira autofagia.
Hoje relativizamos tudo,
inclusive a própria vida. E assim continuamos pagando o preço da
desobediência.
“Talvez precisássemos de
normas mais rígidas”, diriam alguns, como se a punição por si só
fosse capaz de regenerar o ser humano. Nossos sistemas prisionais que
o digam!
Jesus, certa vez questionado
sobre os rígidos contornos da lei, respondeu que isso decorria tão
somente da dureza do coração dos homens, alertando não ter sido
assim desde o princípio (Mt 18. 8). Em outra passagem, quando
questionado acerca do dia do descanso, afirmou que “O sábado foi
feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Mc
2.27). E disse ainda: “Misericórdia quero e não holocaustos”
(Mt 9. 13).
Em outras palavras, a lei foi
criada por causa dos homens e não os homens por causa da lei.
Por isso, entender a razão de
ser da lei e extrair dela seus valores imutáveis e intransigíveis é
mais do que simplesmente praticá-la.
Mas para entender a lei é
preciso antes conhecer o amor de Deus, confiar Nele e se entregar
totalmente à Sua direção. É preciso ter a humildade de reconhecer
que como seres em formação, imperfeitos e falíveis em nossos
pensamentos e atitudes não temos condições de andar com nossas
próprias pernas, mas precisamos dar a mão ao Pai para podermos
atravessar essa grande avenida em segurança.
Daí, a obediência passa a ser
vista como uma necessidade.
Deixar de pagar o preço da
desobediência e passar a colher os frutos da obediência. Essa é a
proposta que Deus nos faz!
Mas isso só é possível se
absorvermos da lei o seu fundamento, a sua base, como o próprio
Jesus nos ensinou: “Amarás ao Senhor teu Deus com todo o teu
coração e com toda a tua alma e com toda a tua mente. Este é o
maior e o primeiro mandamento” (Mt 22.36-38).
Nenhum comentário:
Postar um comentário