quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O PREÇO DA DESOBEDIÊNCIA

Marcelo Luís de Souza Ferreira

O que pensamos de Deus? Quem é esse ser e o que Ele pretende de nós? Que tipo de relação desenvolvemos com Deus e que imagem fazemos Dele em nossas mentes?
A religião tem contribuído para que a maioria de nós tenha a ideia de um Deus poderoso, porém distante de nossos problemas e aflições. Um Deus que permanece sentado em seu longínquo e inacessível trono, se divertindo com a criação de normas rígidas e padrões de conduta inatingíveis aos seres humanos. Um Deus irado e de certa forma sádico, que sente prazer em castigar, em punir.
Talvez esse seja o grande mal da religião em todo tempo, desde os primórdios: distorcer a figura de Deus e impedir que as pessoas compreendam o plano que Ele tem para cada um. Afinal, é dada muita ênfase às leis, à caracterização do pecado e à eterna punição divina e quase nenhuma explicação da razão de tantas normas e de sua rigidez, reforçando-se a falsa ideia de um Deus ditador.
A Bíblia, no entanto, dá todas as ferramentas que necessitamos para conhecer Deus e entender o seu objetivo e a sua relação com a humanidade. Basta estar disposto a enxergar, pela Sua palavra, o maravilhoso plano de Deus para o homem.
No Gênesis, percebemos que Deus criou o mundo como um sistema de perfeita harmonia e por amor criou o homem para habitá-lo e dominá-lo, dando-lhe plena liberdade. Havia no jardim do Éden a árvore do conhecimento do bem e do mal, tendo Deus advertido o homem a dela não se alimentar, pois no dia em que o fizesse certamente morreria.
Notem que esse conhecimento não foi ocultado do homem, nem seu fruto foi colocado em lugar inatingível, havendo apenas uma ordem – que mais soava como uma advertência – de que o homem não deveria dele se alimentar pois suas consequências seriam drásticas. Deus não escondeu a árvore, não dificultou o acesso do homem ao seu fruto nem omitiu as consequências que o conhecimento do bem e do mal traria ao homem, ou seja, Deus deu ao homem a liberdade da escolha – postura totalmente diversa do comportamento ditatorial – entre caminhar com Ele, aprendendo e evoluindo no conhecimento de Deus, e caminhar sozinho, por suas próprias pernas e esforços, numa realidade para a qual o homem ainda não estava pronto.
Não se sabe qual seria a intenção futura de Deus. Talvez a certo ponto dessa caminhada Ele entendesse que o homem já estaria preparado para se alimentar daquele fruto. Talvez... O que sei é que mesmo com toda a nossa limitação, nenhum pai terreno solta a mão de seu filho para que ele atravesse uma movimentada avenida senão depois de muito tempo de vida, de experiência e da certeza de que o filho já sabe atravessar em segurança e não será atropelado.
O Gênesis nos narra que entretanto o homem foi seduzido pela ideia de poder, pela possibilidade de se tornar igual a Deus através do mero conhecimento do bem e do mal. Seduzido pela ideia de não mais depender de Deus segurando em sua mão ao longo da caminhada e lhe dizendo onde pisar com segurança, o homem escolheu se aventurar, soltar a mão de Deus e atravessar uma rodovia rumo a um outro lado que parece jamais chegar.
E o homem pagou o preço pela desobediência.
Perdido no mundo e entregue aos seus próprios prazeres e desejos o homem entrou num processo inconsciente de autodestruição que perdura até os dias atuais, fato que não somente a Bíblia nos narra com riqueza de detalhes, mas que a própria história das civilizações, retratada nos livros que lemos nas escolas durante nossa formação acadêmica, confirma.
Apesar disso, Deus não abandonou o homem. Como forma de propiciar a reconciliação, o restabelecimento da união original, Deus se fez ver no meio do caos criado pela humanidade, tocando no coração de alguns homens e, através deles, mostrando que a caminhada da vida somente seria possível com Aquele que criou a vida.
Àqueles que o aceitaram, Deus acolheu, com todas as imperfeições que possuíam, e os chamou de Seu povo.
No livro do Êxodo, podemos perceber que esse mesmo povo, depois de um tempo vivendo como príncipes no Egito, foi novamente se esquecendo de sua própria natureza e se afastando do Pai. Como consequência, tornou-se escravo.
A escravidão desse povo, somente propiciada pelo abandono da união inicial com Deus, tornou-se tão forte que mesmo já estando fisicamente liberto foram necessários 40 anos de peregrinação pelo deserto para que tivesse condições de entrar e ocupar a terra prometida por Deus.
Esse povo já estava tão perdido, ante a absorção de costumes e valores mundanos, e com uma crise de identidade tão forte que já não sabia o que era bom e o que era mal para ele mesmo – qualquer semelhança com a realidade atual não é mera coincidência. Para que o processo de autodestruição cessasse foi necessário que Deus explicitasse todas as condutas que de alguma forma prejudicariam o homem individual e coletivamente considerado. Foi necessária a lei, trazida naquele momento por Moisés ao povo hebreu.
Foi necessário que Deus dissesse ao seu povo que matar, furtar, mentir e cobiçar o que é do próximo são condutas reprováveis. Foi necessário dizer expressamente que pais e mães devem ser respeitados, que todo trabalhador necessita de ao menos um dia da semana para descanso e que o casamento é algo especial, sagrado e que deve ser respeitado.
Foi preciso lembrar quem é Deus e exigir respeito para com o nome do Criador.
O tratamento precisava ser intensivo. A corrupção do homem, mesmo do povo de Deus, era tamanha que o poder de coerção dessas regras deveria ser o maior possível, as punições pelo descumprimento precisavam ser duras, rígidas e ter o devido efeito pedagógico.
Mas as normas, se bem analisadas, revelam o zelo de Deus para com seu povo. Não são normas destinadas a Lhe conferir prazer, mas a possibilitar a vida do homem em paz consigo mesmo e com a sociedade. Novamente, se traduzem mais como conselhos dados por Quem sabe qual será o fim inevitável de todas as coisas do que especificamente ordens. São placas, indicando o caminho da vida, o caminho do retorno à harmonia e à paz inicial.
Os tempos modernos, vistos sob olhar crítico, demonstram o quanto Deus sempre nos quis bem e como nós sempre incorremos no pecado original de querer usurpar o Seu posto. A cada dia que passa vamos ignorando que as leis nos foram dadas por amor, diante da nossa incapacidade de intuir nosso próprio bem, e, taxando-as de conservadoras e ultrapassadas, riscamos essas orientações dos nossos manuais de instrução.
Matamo-nos cada vez mais e por motivos cada vez mais fúteis, gerando dor e sofrimento.
Mentimos e prejudicamos nossos próximos apenas para satisfazer nossos instintos e nossos desejos.
Cobiçamos e pegamos para nós o que não nos pertence, matando se for preciso.
Exploramos nossos trabalhadores até a morte e em pleno Século 21 nos deparamos com trabalho escravo nas maiores metrópoles.
Esquecemos o valor do casamento e da família. Aliás, fazemos questão de reforçar que nenhuma dessas instituições possui valor. Assim, casamos e descasamos como quem troca de roupa, ou seja, como se o outro fosse um item descartável. Traímos nossos cônjuges e destruímos nossas famílias em nome de um prazer muitas vezes momentâneo, sem a menor preocupação com os traumas, muitas vezes insuperáveis, que nossos atos produzirão nos nossos cônjuges e em nossos filhos.
Os pais e mães não são mais objeto de respeito, de modo que os filhos estão crescendo sem qualquer referência de autoridade. Na verdade, nossa bandeira tem sido contra qualquer tipo de autoridade, pela plena liberdade individual, e com isso estamos gerando adultos que não sabem viver em sociedade, pessoas que não têm o menor respeito pelo próximo.
E nas manchetes de jornais tornam-se cada vez mais comuns as notícias de pais abandonando filhos e filhos matando os próprios pais, numa verdadeira autofagia.
Hoje relativizamos tudo, inclusive a própria vida. E assim continuamos pagando o preço da desobediência.
Talvez precisássemos de normas mais rígidas”, diriam alguns, como se a punição por si só fosse capaz de regenerar o ser humano. Nossos sistemas prisionais que o digam!
Jesus, certa vez questionado sobre os rígidos contornos da lei, respondeu que isso decorria tão somente da dureza do coração dos homens, alertando não ter sido assim desde o princípio (Mt 18. 8). Em outra passagem, quando questionado acerca do dia do descanso, afirmou que “O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Mc 2.27). E disse ainda: “Misericórdia quero e não holocaustos” (Mt 9. 13).
Em outras palavras, a lei foi criada por causa dos homens e não os homens por causa da lei.
Por isso, entender a razão de ser da lei e extrair dela seus valores imutáveis e intransigíveis é mais do que simplesmente praticá-la.
Mas para entender a lei é preciso antes conhecer o amor de Deus, confiar Nele e se entregar totalmente à Sua direção. É preciso ter a humildade de reconhecer que como seres em formação, imperfeitos e falíveis em nossos pensamentos e atitudes não temos condições de andar com nossas próprias pernas, mas precisamos dar a mão ao Pai para podermos atravessar essa grande avenida em segurança.
Daí, a obediência passa a ser vista como uma necessidade.
Deixar de pagar o preço da desobediência e passar a colher os frutos da obediência. Essa é a proposta que Deus nos faz!
Mas isso só é possível se absorvermos da lei o seu fundamento, a sua base, como o próprio Jesus nos ensinou: “Amarás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma e com toda a tua mente. Este é o maior e o primeiro mandamento” (Mt 22.36-38).

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